segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Quem sãos os verdadeiros piratas?

O ministério da justiça anunciou, em Setembro, um plano de ações para coibir a pirataria no Brasil. O país do futebol e do samba parece acreditar na fragilização do mercado da grande paixão nacional: a música.

"A pirataria é o crime do século 21", afirmou Luiz Paulo Barreto, presidente do CNCP (Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual) e secretário-executivo do Ministério da Justiça

O problema é definir que sãos os verdadeiros piratas? Quem de fato sai prejudicado com esse "crime" no mercado fonográfico?

A principio vamos tentar entender essa indústria antes e depois dessa revolução tecnológica.

O mercado global da música gerou 38,5 bilhões de dólares em 2000, sendo 14,3 bilhões da indústria norte-americana, que no mesmo ano apresentou 5% de seu PIB gerado por direitos autorais (música, filmes, publicações, softwares e design). Para permitir uma análise comparativa esses percentual do PIB é maior do que qualquer outro grupo industrial, inclusive incluindo a produção de automóveis.

Já cientes de ser um grande mercado devemos nos preocupar agora como ocorre as interações entre músicos, gravadoras e consumidores finais. Trata-se nesse caso de um mercado altamente concentrado nas mãos de poucas corporações: Sony, Bertelsmann e EMI. Seria uma espécie de "monopólio natural" uma vez que, com advento das novas tecnologias, o custo marginal (custo de produção de um disco adicional) é próximo de zero e o custo fixo é muito alto.

"É preciso de muito capital para fabricar um pop star ou qualquer celebridade de uso generalizado" Diane Coyle

O fato é que o negócio da música acaba ficando restrito a essas grandes corporações que serão os intermediários entre os músicos e os consumidores finais de sua obra. A concentração de mercado como sempre permite a essas corporações selecionar seu público alvo e maximizar seu lucro com preços altos. Além disso, o fato de necessitar de grandes inversões iniciais também coloca os reais produtores da música em uma posição de dependência em relação às gravadoras para sua inserção. Perceba que essa "dependência" sempre se reverte em poder econômico, ou seja, como uma espécie de monopsônio (restrito grupo de compradores) as gravadoras podem explorar seus artistas lhes oferecendo menos do que de fato poderiam ganhar nessa indústria com a distribuição de CDs e/ou DVDs.

Nessa estrutura relativamente simplista, têm-se dois agentes aparentemente prejudicados. Os músicos de uma forma geral encontram barreiras de mercado que dificultam sua inserção e barateiam seu trabalho e os consumidores encontram dificuldades na obtenção do bem. Não vamos esquecer que a estrutura de monopólio e monopsônio permitem as gravadoras trabalharem com altas taxas de lucro, sendo aparentemente os agentes beneficiados com a estrutura.

Assim, com a revolução tecnológica gerada pelos gravadores de CD e o pioneiro intermediador de trocas de MP3, o NAPSTER, devemos perceber quem foi o principal prejudicado.

A principio o grande uso da internet e a facilidade de produção de mp3 rompem as barreiras encontradas pelos músicos e leva o consumidor a uma posição ótima, com preço baixo e grande variedade de escolha (no economês diríamos que há uma expansão enorme do excedente do consumidor, principalmente para os que consomem a custo zero - a curva de utilidade apresenta movimento explosivo kkk )

A questão é que o uso dos mp3 e a troca de arquivos pela internet na pior da hipóteses vem reduzindo o tamanho do mercado apenas para as gravadoras, que sentem dificuldades de vender seus CDs e DVDs. Contudo um novo mercado menos concentrado parece surgir, ou pelo menos se fortalecer, no qual os clientes continuam sendo os mesmos, mas o produto final fica sendo o show realizado pelo grupo, sendo a gravação apenas um meio de divulgação, não o produto principal.

O que parece é que, ao contrário do que se argumenta, a pirataria não fere diretamente os direitos autorais, nem desincentiva a produção musical, mas quebra o domínio das gravadoras, levando a uma melhor distribuição dos lucros da indústria.

Obviamente que existem uma série de particularidades associadas a essa prática como o fato de não participar legalmente das atividades econômicas do país e de produzir muitas vezes produtos de baixa qualidade que danificam nossos aparelhos. Contudo parece ser claro que a revolução tecnológica está permitindo estreitar os laços entres os músicos e seu público.

É bem interessante recordar que tecnologia aparece como vilã na maior parte das vezes, quiçá porque quase toda tecnologia é poupadora de mão-de-obra, de forma que a humanidade já passou por conflitos semelhantes ao discutido quando houve o advento da tecnologia de fotocópias e do videocassete, imaginando que haveria nesse momento o fim para as publicações e para o mercado cinematográfico. O próprio desenvolvimento da rádio veio acompanhado de discussões semelhantes aos que norteiam as discussões a respeito do compartilhamento de musicas na internet, a transmissão gratuita assustava os músicos que não viam claramente onde ganhariam o "pão de cada dia".(percebamos que o segredo estava na expansão do mercado)

Seria o que Schumpeter chamaria de "destruição criativa", na qual mercados são destruídos e abrem espaço para criação de novas estruturas que dinamizarão a atividade.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

CPMF: incidência legal e econômica


No início de novembro desse ano, o atual ministro da fazenda Guido Mantega proferiu o seguinte comentário: "Isenção da CPMF pode atingir 90% da população" ao ser questionado quanto à possibilidade de isentar pessoas que ganham R$1640,00.

Contudo parece existir aqui um conflito básico entre os conceitos de incidência legal e incidência econômica. É possível, segundo a teoria microeconômica, que o setor público tente tributar apenas os consumidores e por fim acabe tributando também os produtores, uma vez que há redução das vendas como conseqüência do aumento gerado nos preços. É apenas um exemplo de que nem toda decisão legal é efetiva em seus propósitos, pois existem as forças de mercado que por ventura podem operar em sentido contrário.

Não se pode esquecer que as empresas também pagam a CPMF em suas movimentações financeiras e seguramente estarão compondo os 10% que continuarão "contribuindo". Sendo assim, como faz parte da lógica de definição de preços de uma firma, esse tributo será repassado de alguma forma para o consumidor final, independente de seu nível de renda.

Assim, mesmo que seja votada a isenção legal da contribuição para pessoas que ganham menos de R$1640, esses cidadãos continuarão pagando o imposto indiretamente, sem embargo é bastante oportuno nesse caso o uso do clichê: "o que o olhos não vêem o coração não sente"

domingo, 2 de dezembro de 2007

Africa: dinheiro traz felicidade?

"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!", afirma James Shikwati, economista do Quênia.
A primeira vista parece praticamente impossível aceitar essa colocação, seria como abandonar o espírito fraternal típico dos mamíferos, que nos faz sentir responsáveis pelas péssimas condições de vidas de alguns de nossos semelhantes.
Percebamos que por trás desse pensamento mora uma idéia simples, naturalmente desprezada em outras ocasiões: dinheiro traz felicidade.
Quando vibramos com maiores níveis de recursos destinados ao continente Africano ou com uma dívida externa perdoada, estamos de alguma forma presos ao pressuposto de que esse montante será em sua maioria investido, surgindo como a saída para esses países que em breve poderão "andar com suas próprias pernas". Ou seja, que o dinheiro será capaz de melhorar o nível de bem estar social dessas regiões.
O fato é que normalmente é fácil fechar os olhos para elementos que seriam fundamentais para a obtenção desse resultado.
Primeiro não parece muito comum analisar as mudanças nos incentivos gerados por esse tipo de benevolência, afinal um país que tem costume de não honrar suas dívidas e ser naturalmente perdoado no futuro, tem motivação suficiente para não honra-la.
Segundo, não é comum se discutir qual o real volume de inversão, pois nos modelos de crescimento econômico a palavra de ordem é investimento, seja ele em capital físico ou humano, existe um consenso aparente de que maiores taxas de investimento são responsáveis por um maior nível de renda no longo prazo. Assim, se a maior parte desses recursos se destina simplesmente a compra de comida ou é desviado via corrupção o objetivo final dificilmente torna-se factível. Uma analogia simples seria imaginar um individuo de baixa renda que adquire uma dívida para a compra de comida, roupa, relógio, bicicleta, bolsa, sapato, computador e uma Tv digital, tornando impossível honrar sua dívida no ano seguinte, pois esse tipo de consumo não costuma apresentar rendimentos positivos, com exceção dos atletas do Quênia que na compra de roupa e tênis apropriados vêm receber seus prêmios nas maratonas internacionais, ou seja , os recursos não são utilizados para gerarem mais dinheiro, apenas para satisfazer necessidades pontuais.

Quanto ao primeiro ponto de questionamento, o especialista Queniano parece tecer a maioria de seus comentários sob essa premissa de que as ajudas modificaram a estrutura de incentivos nos países pobres do continente africano. Segundo ele, "os africanos aprendem a ser mendigos, e não independentes" E levanta um ponto adicional. As ajudas da ONU ao continente africano despejam nessas regiões uma enorme quantidade de produtos agrícolas americanos e europeus, altamente subsidiados, que chegam de graça à maioria das pessoas que passam fome e posteriormente circula no mercado negro a baixos níveis de preço. Dessa forma, as forças de mercado tornam impossível o desenvolvimento da agricultura local, afinal o excesso de oferta reduz o preço dos alimentos e inviabiliza a produção por parte dos agricultores locais.

Em relação ao segundo ponto, duas matérias publicadas recentemente levantam seguem essa linha:

O espanhol El país publicou dia 03 de dezembro desse ano a matéria: La ayuda fracasa, pero África despega, apresentando argumentos a favor da continuidade da ajuda, mas apresentando as principais justificativas para os resultados pífios da política de transferência ocidental, dentre eles a corrupção surge como elemento principal, além de questionar o tipo de investimento que normalmente era realizado, falando inclusive em um novo tipo de ajuda.

No Wall Street Journal o problema gerou discussão quando o Banco Mundial bloqueou o empréstimo às Filipinas, argumentando principalmente que grande parte do dinheiro seria desviada por corrupção e que não era evidente a capacidade de prover a estrada a qual se propunham, levando a crer que, como em muitos casos, a corrupção não é a causa do problema e sim um sintoma de imcompetência administrativa e burocrática do país. De uma maneira geral, essa ação foi considera como parte de um plano maior do Banco Mundial de lutar contra a corrupção nos paises beneficiados.

Dessa forma, já fica mais claro que os argumento a favor de teorias aparentemente "desumanas" são bem fundamentados e no mínimo servem para um debate maior acerca desse problema, ampliando a discussão.

É válido perceber aqui algo sutil que poderia passar facilmente despercebido. Existe um sentimento que parece ser comum entre os países subdesenvolvidos: "estamos assim porque fomos explorados no passado e logo vocês (os paises ricos) são responsáveis por nossa situação atual e, assim sendo, devem nos ajudar" No entanto, os problemas que inviabilizaram o desenvolvimento advindo do grande volume de inversões externas foram sintomas de falhas administrativas, má utilização dos recursos.

Ou seja, tem-se aqui uma confortável posição de falhar na provisão de investimentos rentáveis e culpar alguma força do mal (tipo: o Brasil nunca vai pra frente, uma espécie de condenação mística*) ou culpar o constante espírito de porco das economias dominantes, que planejam simultaneamente o sucesso econômico de sua nação e o fim deplorável para o restante.

Obviamente que não podemos incorrer no erro de considerar que as economias dominantes estão sempre com boas intenções, contudo seria interessante refletir: Até quando vamos nos esconder sobre a manta da conspiração?

* “Quando nasci veio um anjo safado/O chato do querubim/E decretou que eu estava predestinado/A ser errado assim“
Chico Buarque